Me Gusta Entrevista: Carlos Gayotto

Compositor, cantor e cineasta, Carlos Gayotto lançou o novo álbum “Realize” com sonoridade alternativa e que mistura o Folk Contemporânea e Country com a Viola Caipira, que faz parte da raiz musical brasileira.

O novo trabalho mistura músicas em português, em inglês e instrumental com produção de Neymar Dias, um dos mais importantes orquestradores da Música Sertaneja.

O Portal Me Gusta teve a felicidade e o privilégio de entrevistar Carlos. O artista que já produziu, escreveu e dirigiu mais de dois mil filmes e a série MINIDocs e compôs para trilhas de dois curtas-metragens nos EUA, contou detalhes do novo álbum é de sua carreira, além de falar sobre a o prática de meditação Kriya Yoga.

Foto: Caroline Curti

Saiba na integra, tudo o que Carlos Gayotto contou:

Portal Me Gusta: Como nasceu seu amor pela música?

Carlos Gayotta: A minha mãe nasceu numa região muito humilde de Minas Gerais, numa cidade que não tinha nem brinquedo pra ela. Era uma cidade muito pequena mesmo no Sul de Minas e o pai dela era um multi-instrumentista bem simples, mas que pegava qualquer instrumento que passava na mão dele e começava a tocar. E ele muito cedo me deu de presente um cavaquinho, porque eu gostava de assistir, quando eu tinha dois anos de idade por aí, aquele programa do Rolando Boldrin, o ‘Som Brasil’ e pedi um instrumento de presente de aniversário que passava na abertura do programa. Até falei pra ele que eu queria um ‘Som Brasil’ e ele interpretou isso, e ao invés de um violão, me deu um cavaquinho que era aquilo que eu conseguiria empunhar. O cavaquinho nunca foi presente na minha vida, a não ser nesse momento. E eu tinha uma vó também, que tocava piano clássico e inclusive é o piano que eu tenho na minha casa. É outra lembrança muito forte que eu tenho da minha infância. Então, essas foram as figuras que mais me inspiraram na música desde pequeno.

Me Gusta: E como surgiu seu lado cineasta?

Carlos: Foi meio uma vocação mesmo, porque eu comecei a editar fitas daqui de casa que meu pai filmava com a câmera que ele tinha. Eu colocava um vídeo cassete em cima do outro e começava a editar. Quando eu notei, eu estava fazendo dinheiro já com isso com os amigos e em trabalhos de escola e a edição virou um negócio meio que automático pra mim. Eu com nove anos escrevi a minha primeira peça de teatro também. Meu pai tinha me dado uma câmera e aí nessa peça, eu escrevi, dirigi e interpretei e era meio que uma metalinguagem assim, porque era uma peça sobre uma peça de teatro. Então, desde muito cedo eu estava envolvido com as artes dramáticas e com o audiovisual. A escrita sempre foi uma coisa presente. Eu escrevi uma propaganda também, ainda na segunda série do primário e ganhei premio. Eu sempre escrevi muito fácil e sempre tive o prazer em escrever e até hoje eu tenho esse prazer. O audiovisual e a música, tudo isso, foi uma consequência desse prazer pela escrita. Eu gostava de ler muito Fernando Pessoa e de ler as letras de qualquer música em inglês que aparecesse na minha frente, principalmente do Bob Dylan. Gostava de ler os grandes poetas brasileiros, poemas do Carlos Drummond de Andrade e também estudei todos os parnasianos. Sempre gostei muito da literatura, embora eu não seja um cara que leu muitos livros e grandes obras. Sempre gostei muito de ler tudo que estava ao meu alcance.

Foto: Caroline Curti

Me Gusta: Como se dá seu processo de composição e quais suas inspirações?

Carlos: Acabei de assinar um contrato com a BMG como artista e pra compor. Eles entenderam que eu poderia compor mais de uma forma, que não só a minha própria música. Eu tenho escrito para sertanejos e teve até um drum bass que eu escrevi na semana passada. Tudo muito por causa do processo. O processo pra mim é tão importante quanto o ato de escrever, porque acho que eu aprendi a identificar muito rápido qual seria a verdade da vida que merece ser falada naquele momento, e muito em função de qual é a carência da sociedade naquele momento. Então tudo nasce daí. Se eu perceber alguma coisa natural ou algum raciocínio ou sensação minha, que reflete esse momento de interrogação sobre uma determinada verdade, a arte vem para produzir essa verdade e vem o processo. A inspiração nasce daí, é uma coisa que vem de uma sensação de as vezes mal estar, ou bem estar em relação à vida. Naquele momento você sabe que é melhor investigar aquilo e com arte colocar luz naquilo. Ao tentar entender o que é aquela sensação ou esse incômodo ou esse prazer, vem um estalo que é a expiração. O John Lennon tem essa frase muito interessante que é assim “no momento que vem isso, se você tem o processo criativo muito claro, você tem que sentar e terminar, avançar o máximo possível nessa composição, até tentar terminar ela, se não essa inspiração vai embora e você deixa de ter um porquê de investigar aquilo”. Quando vem essa inspiração e você tem ali um processo com violão ou sem violão, que pra mim funciona muito bem, porque eu tento entender primeiro qual era a operação daquele poema. Ou seja, se o meu tema que veio através da inspiração é tristeza, eu tento entender a estética daquela tristeza ou qual é a operação da tristeza. No disco tem essa música “Todo Sonho Feito”, que pra mim é uma operação da felicidade, porque a felicidade nunca se basta. Eu percebi que era o meu sentimento recorrente e que eu tinha que escrever sobre isso, sobre a imprecisão da felicidade, porque no momento em que você tem a felicidade, você quer alguma outra coisa. E isso é normal do ser humano. E aí vem esse sentimento de vazio. Então “Todo Sonho Feito” mostra os ciclos que são as estrofes e que são repetidas em formas diferentes, só o último verso que é igual. Eu tentei repetir como se fosse um bordão. O personagem dessa música, acorda no começo da música e vai dormir no fim da música, é o arquétipo de um dia. Entendendo isso fica fácil de você consequentemente organizar com palavras, e explicar essa sensação. Se eu for tentar resumir, eu gosto de ter inspiração e achar qual que é a operação daquela inspiração e depois colocar as palavras. E se precisar fazer um instrumental, você não precisa dizer nada. apenas achar a melodia daquilo. Então é assim que eu separo o processo criativo.

Me Gusta: Você compõe em português e em inglês. Tem diferença compor nos dois idiomas em termos de facilidade ou processo ?

Carlos: O processo criativo é o mesmo, é você entender que você tem uma sensação que precisa ser suprimida e se você vai pro português ou pro inglês. No meu caso, como a minha língua nativa não é o inglês, pra escrever em inglês eu tenho que acessar o pequeno vocabulário que tenho e que eu sei que eu domino, porque eu não posso tentar extrapolar isso. Já no português, você já está em casa e você nasceu naquela língua e foi educado desde pequeno naquela língua. Você escuta todo dia a língua na rua e personagens diferentes do seu dia a dia, falam em diferentes tipos de português. Já o inglês é aquilo tenho acesso pela televisão ou quando fui em países em que tive acesso a isso, então você tem que ser mais humilde. Acho que o processo é igual, mas o vocabulário é diferente. E o número de palavras que você tem a sua disposição e o ferramental são mais limitados no inglês.

Me Gusta: Uma música que chama atenção pela letra e pelo arranjo bem orquestrado é “Even Minded”. Como surgiu esta faixa e como foi a produzir?

Carlos: É uma música muito especial, talvez uma das primeiras que eu compus. Dentro desse trabalho com certeza é a primeira ou segunda. Ela veio de uma meditação de um amigo que escreveu sobre o Yogananda. Yougananda é um discípulo, um guru indiano que trouxe pro ocidente a meditação Kriya e ele dizia que a meditação não precisa ser perfeita, basta que seja amor. O amor, ele é maior que a perfeição. Então , quando eu falo no refrão que tudo bem que não seja perfeito, basta que seja amor, eu estou me referindo a essa frase do Yogananda. Eu busquei colocar esse conceito, o mais simples possível em inglês, pra poder atingir o máximo de pessoas possível, porque é a língua mais falada do mundo. Eu busquei falar com palavras muito simples e que até crianças conseguem entender. Eu queria que chegasse à muita gente e quando eu fiz a melodia e harmonia eu também busquei achar notas mais básicas possíveis, para alcançar essas pessoas. Quando eu fui pra parte do arranjo orquestrado e chamei o Neymar Dias, que é basicamente o meu irmão na música, ele conseguiu engendrar tudo isso em volta, porque era tão sintético o que eu queria dizer. Uma melodia tão simples que cobre toda essa atmosfera. Eu sou apaixonado por essa música, por conta do arranjo e também pela simplicidade da mensagem.

Me Gusta: Como foi escolher o repertório do álbum “Realize”?

Carlos: O álbum chama “Realize”, porque em português significa realize, como se fosse um convite a realização. Mas em inglês tem dois significados; que é também o de realizar, concluir uma coisa como no português, e também um significado que na minha opinião é muito melhor e que busquei, que é de percepção. Então, tem diversas canções que eu quis propor justamente isso, de que as pessoas percebam aquilo que elas estão sentindo. A gente está numa era, onde a gente está se conectado com o celular e tem até o WhatsApp que fala mais rápido ainda, e se então, você não se conectar com aquilo que você é e com a sua essência, facilmente você se distrai e se perde, ao passar pelas experiências sem ter percebido que você é um ser maravilhoso, feito de luz e que está habitando esse planeta por um momento, por uma fagulha de tempo e depois a sua energia que ficou, transcende. Então é um convite para isso. Todas as músicas em um certo grau fala sobre isso, da percepção de si próprio. Até tava falando em uma das entrevistas, que um dos mandamentos de Jesus Cristo é o ‘amar ao próximo como a si mesmo, é até anterior a Jesus. E isso não pressupõe que é pra você amar mais o próximo do que a você e nem mais você. É você amar em equidade as duas coisas. Acho que a igreja católica subverteu isso por muito tempo e onde a gente tem que amar ao próximo mais que a si mesmo. O “Realize” e a meditação transcendental, pressupõe uma equidade entre esses dois polos. Você tem que se amar pra poder amar o próximo.

Foto: Caroline Curti

Me Gusta: Você é praticante da Kriya Yoga. Como ela influencia em seu dia a dia e na sua arte?

Carlos: De manhã, durante a meditação eu estava pensando justamente sobre isso. A meditação pra mim hoje, virou um ponto de partida para todo resto, porque é ali que você decanta todas as expectativas que você tem ilusórias sobre a vida. Quando você está em estado meditativo depois do 10º ou 15º minuto, você abandona as expectativas que não são suas e que o mundo colocou em você, e aí você começa a se perceber como um ser divino que está habitando esse planeta. Então, pra mim é isso e consequentemente fica mais claro, qual é a mensagem que você tem que dizer e qual que vai ser a mensagem que você não deveria dizer. Acho que o mundo já tem um excesso de informação e que 99% do que a gente escuta é desnecessário. Se a gente tiver essa decantada matinal de meditar e conseguir abandonar o que não é seu, fica mais fácil de você ter um discernimento sobre o que realmente conta pra sua vida. E também na hora de compor fica muito mais claro quais são as palavras e os sentimentos que você precisa colocar na música.

Me Gusta: Estanos num momento de pandemia e isolamento. Como tem sido este momento e como tem lidado com a criatividade?

Carlos: Cada pessoa, cada ser humano reage de uma forma. Eu perdi a minha mãe, vai fazer um ano, então foi ali no ápice do primeiro lockdown que teve. Uma dessas músicas, que foi “Colors Of The Fall” foi pra ela, e depois que ela faleceu por conta da pandemia, todas essas coisas que eu falava sobre autopercepção e sobre o “Realize” ficaram ainda mais visíveis e necessárias de serem ilustradas e de colocar luz sobre elas com a arte. Acho que é por isso que o trabalho, modéstia parte, ficou tão bonito e a gente tem recebido vários elogios. A gente fez todo esse processo de decantar o que era inútil e dar luz àquilo que era importante. Então acho que tem pessoas que entram no casulo quando tem um momento de adversidade e é super compreensível. Mas no meu caso, foi isso. Me acelerou e me falou tipo, “olha, a vida está acabando e pode acabar daqui a pouco”. Da minha mãe acabou do nada e a gente precisa realizar e fazer as coisas acontecerem agora. Como Renato Russo falava, “se você parar parar pra pensar, não haverá amanhã”. Então é isso, a vida é aqui e agora. Buda ficou meditando por 30 anos na frente de um muro. Adoro essa história. E quando ele levantou ele só falou uma coisa; que a vida é aqui e agora. A única verdade que ele concluiu sobre a vida depois de 30 anos meditando na frente de um muro. E pra mim isso sempre foi verdade é com a pandemia se tornou mais emergência. É preciso cuidar bem das pessoas que eu amo e eu preciso cuidar bem das coisas que eu amo, e a música talvez, seja coisa que eu mais amo nessa vida.

Me Gusta: Cada faixa do álbum ganhou no You Tube, um visualizer diferente. Como surgiu a ideia e os conteúdos?

Carlos: A minha formação toda vem daí, como cineasta. Eu não quis fazer nada muito longo e nem muito parecido com o que outros artistas tinham feito. Eu vi muitas iniciativas. Anavitória lançou visualizers lindos no último disco e o Tiago Iorc naquele disco anterior tinha feito uma espécie de longa-metragem. E eu não queria fazer nada disso. Eu tinha visto alguns visualizers do Mano Brown do último disco, que eram planos de diálogos de personagens e a letra passando ali embaixo. Achei aquilo muito efetivo e prático, porque com poucas cenas você poderia contar uma história e achar uma cena chave que conecta ao conceito chave daquela música e você cria assim essa cena. Daí ao invés de eu produzir uma cena, o mundo já produziu todas as imagens que eu preciso. E eu podia comprar algumas imagens do Einsenstein e algumas que são icônicas e chaves e montar isso de uma maneira que cause um conflito de ideias entre imagem A e imagem B de cada filme e aí formar uma outra sensação na cabeça de quem está assistindo. Então através desse conceito de ideograma do Einstein e de montar um filme pra cada uma das músicas, se você assistir isoladamente tem uma sensação, mas se você assistir do começo ao fim, da música um até a final, você vai ter uma outra sensação. O que eu tentei passar foi presente, passado e futuro no mesmo lugar, acontecendo no mesmo tempo, na mesma sala.

Me Gusta: Dentro do que puder contar, quais os próximos passos da carreira?

Carlos: Agora estou preparando com Neymar, o arranjador desse disco, uma espécie de EP onde eu quero ter versões de algumas músicas desse álbum misturando a guitarra, que é meu instrumento principal, ou o violão, que também é um instrumento principal meu, com a viola caipira. Então a gente deve ter nos próximos meses, um espetáculo e eu vou tentar levar isso para o lado mais leve e descontraído. Como produzir o Mini Docs, que é um canal que eu tenho na internet, eu tenho essa experiência também de dar à luz a essas apresentações. Então eu vou fazer uma coisa bem minimalista, eu e ele tocando, mas vai ser muito bonito e vai ter uma outra roupagem para cada uma dessas músicas.

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